Se considerarmos o momento exato dos sinais da chamada para a missão transcultural, podemos identificar que foi em novembro de 2011, quando estávamos em viagem fora do Brasil. Naquela ocasião, Deus falou conosco de forma clara que, em algum momento, a partir dali ele iria fazer movimentações que nos levariam à realização da missão. Desde então, iniciamos o processo de preparo e transição para um novo estilo de vida, focados no futuro próximo que Deus preparava para nós, o que ocorreu ao final de 2012.
Ao trabalhar com pessoas de diferentes culturas (como fazem os pastores ou missionários transculturais), deve-se compreender da melhor maneira possível alguns aspectos desta transculturalidade. Os pontos a seguir têm sido importantes para compreendermos tais aspectos. Naturalmente, uma boa atmosfera de confiança e boa interpretação da cultura devem ser construídas a partir de algumas perguntas diretas; outras maneiras de obter essas informações também devem ser exploradas e experimentadas na vivência cotidiana da missão.
Ressaltamos que, estas informações são baseadas em 7 meses de vivências e observações, ora em relação à cultura local (comuna de Nacimiento), regional (Província de Bío Bío) ou Nacional (Chile), no tocante a igreja e a sociedade de modo geral.
- Os desafios do “sim! para a missão”
Deixar a parentela, ou seja, a família, para realizar a missão, principalmente transcultural, para nós, tem sido um dos maiores desafios. Parte da nossa família, filhas e sogra, ficaram no Brasil. Isso demanda uma maior resiliência, equilíbrio emocional e confiança nas providências e cuidados de Deus. Em muitos momentos de comunhão com ele, recebemos esta confirmação, de que poderíamos descansar nele, porque ele cuidaria da nossa família no Brasil.
- Autoridade na liderança eclesiástica local
Como nos sentimos com relação a autoridade eclesiástica local? Quem é a autoridade? Como lidamos com esta autoridade?
A igreja funciona com um conselho, cujo presidente, por estatuto, é o pastor local, embora atualmente, este cargo está sendo ocupado pelo co-pastor chileno, por conta da nossa adaptação, até final de 2020. Este conselho é formado pelos pastores, presbíteros e líderes ministeriais, onde todas a decisões devem ser geridas e aprovadas, antes de levar para homologação da igreja como um todo. Em tese, é o conselho que determina, juntamente com o pastor, as diretrizes, a pauta e a gestão eclesiástica. Sentimo-nos mais seguros e amparados por este sistema, que desencoraja um trabalho pastoral individualista e unilateral e fortalece o trabalho e decisões em equipe. Lidamos bem com o sistema e tem funcionado positivamente neste contexto de revitalização e contextualização da igreja local. É uma visão com a qual compactuamos, por ser bíblica.
- Estresse
O que é mais estressante para os cidadãos desta cultura? Como eles respondem ao estresse? Que fazem para diminuir o estresse? Quais as atitudes verbais e não verbais? Como nós lidamos com os fatores estressantes, nesse período de acomodação?
Notadamente, independentemente da pandemia, aqui nesta comuna, se trabalha muito, principalmente porque a maioria dos habitantes da cidade e região, trabalham em regime de turnos em uma das maiores empresas de celulose do mundo, sediada em Nacimiento. Outros trabalham em setores públicos ou na área de segurança. Essa rotina gera um esgotamento físico, mental e emocional. Por isso, é alto o índice de trabalhadores que expressam uma forma não verbal para diminuir o estresse e esgotamento, utilizando-se da bebida alcoólica. E do ponto de vista verbal, constata-se o aumento dos conflitos familiares e sociais.
Ultimamente, o país tem registrado fortes conflitos e manifestações sociais, além do sofrimento emocional, decorrente dos efeitos do confinamento por causa da pandemia. Em 27 de agosto de 2020, foram divulgados dados do Termômetro de Saúde Mental no Chile (ACHS-UC), aplicado pela Universidade do Chile (UC), constatando que 34,6% das pessoas do país apresentam problemas de saúde mental por causa da pandemia.
Para lidar com todos os fatores mencionados acima, organizamos e mantivemos uma rotina produtiva de atividades ministeriais, espirituais, físicas e mentais, como por exemplo, nos aproximando mais das pessoas que vivem ao nosso entorno, principalmente dos membros da igreja, uma vez que também têm sido afetados; devocionais; exercícios físicos; alimentação equilibrada etc. Com isso, conseguimos entender, interpretar e ajudá-los a vencer os desafios deste momento, o que tem trazido benefícios para nossa melhor acomodação e adaptação.
- Questões relacionadas a idioma
Como tem sido adaptação com relação ao idioma?
Desde quando aceitamos o chamado do Senhor, intensificamos o preparo em algumas áreas, dentre elas, o idioma. Tínhamos consciência de que o chamado seria para uma missão transcultural com 100% de nativos, que é o perfil da igreja onde pastoreamos.
Embora estejamos em uma nação de língua hispânica, sabemos que existem as peculiaridades e especificidades de cada país no tocante as expressões linguísticas locais. Aqui no chile, principalmente no interior onde estamos, isto é bem acentuado, o que exige um maior esforço da nossa parte no estudo e aperfeiçoamento no espanhol do Chile – considerado mundialmente como “chilenismo”.
- Recursos financeiros
O que é considerado luxo? O quanto se valoriza o laser e bens materiais? Como se expressa a generosidade?
A sociedade chilena em geral, investe principalmente em casas, veículos (tipo SUVS) e eletrônicos. Investe-se também em passeios, uma vez que o país possui muitos pontos turístico. Aproveitam-se das férias e feriados prolongados, valorizando os ajuntamentos familiares, tanto por questões culturais ou engajamentos patrióticos. Ex.: o período das festas pátrias, que acontece em setembro, quando o país comemora por uma semana, inclusive os cristãos. Vale lembrar que isto acontece em contextos normais. Neste ano, iremos observar como se comportará a sociedade em tempos de contingência, pela COVID-19.
De forma genérica, o chileno é muito solidário. Isto engloba os membros da igreja, que executam um bom atendimento às necessidades da comunidade.
- Comida, hospitalidade e fraternidade
Atitudes e posturas quanto à alimentação. Este momento é somente um tempo em família, evento social ou expressa hospitalidade?
A riqueza na diversidade de alimentos da região favorece a nossa adaptação e uma alimentação saudável, o que reflete positivamente em nossa saúde. É comum recebermos periodicamente, produtos de cultivo das chácaras dos irmãos, como expressão de afeto.
Além disso, o momento da refeição, principalmente no período da noite (que aqui, como em alguns países latinos, dá-se o nome de “once”), é sagrado para a família, que se reúne para desfrutar do alimento e também para um bom diálogo. Compartilhar este momento com amigos e irmãos faz parte da hospitalidade característica da nossa comunidade, ou seja, aqui nesta comuna e região.
- Liturgia
O sistema de liturgia em nossa igreja segue um modelo contemporâneo universal, ou seja, louvores no estilo pop rock (ex. Hillsong, Elevation, Gateway etc.), pregação em série, pequenos grupos e discipulado, grupos de oração etc. Neste contexto de pandemia, tem funcionado bem as sessões virtuais, quer sejam os cultos, reuniões ou discipulado.
- Sexualidade, feminismo e tabu social
O sistema de relações sociais e familiares segue o modelo tradicional, embora muitos movimentos sociais têm ganhado espaço e marcado presença nos últimos anos, em função de vários eventos de natureza abusiva, principalmente contra mulheres, em todo o território nacional.
Existem grupos feministas relevantes, difundindo a luta por direitos de igualdade de gêneros e outros grupos defensores da legalidade do aborto.
Como parte da missão, temos discipulado com conteúdo que conscientize nossos membros, sobre os princípios bíblicos que dão respaldo para se adotar uma postura à luz do evangelho, frente a tantos temas e discussões difundidos e fomentados pelas mídias sociais e redes de comunicação de massa.
Pr. Amadilson de Paula e a esposa, dsa. Maristela Montanheiro de Paula, responsáveis pelo campo missionário na cidade de Nacimiento, Chile, desde fevereiro de 2020.